Depois de Chico Xavier, o senhor é considerado o grande expoente do Espiritismo no Brasil e do mundo. Como o senhor vê essa referência?
Divaldo Franco: Em realidade todos somos apenas trabalhadores da última hora. Chico Xavier exerceu um ministério muito grande e eu costumo dizer que ele é hors-concours. Os outros são trabalhadores normais, cuja dedicação e oportunidade de serviço com Jesus podem nos oferecer maiores ou menores possibilidades de realização edificante. Como eu já sou uma pessoa idosa, tenho 81 anos, com 62 anos de vida pública, é claro que tenho mais experiência. Talvez seja um pouco mais conhecido, mas há um número muito grande de expoentes de grande quilate trabalhando pela causa em todo o mundo. Assim, não me considero líder do Movimento Espírita, nem no Brasil, ou mesmo no mundo...
O senhor pode citar alguns nomes?
Divaldo Franco: José Raul Teixeira, dr. Alberto Almeida, Suely Schubert, somente para citar alguns numa lista imensa. Eu normalmente evito citar nomes para não cometer injustiça de esquecer-me de alguns.
O que as pessoas buscam no Espiritismo?
Divaldo Franco: O Espiritismo, através das suas lições profundas e consoladoras, consegue diminuir o sofrimento no ser humano. Dá diretrizes de harmonia e de segurança, mesmo na grande problemática que é a dor. Não é uma doutrina masoquista, que nos faz transferir responsabilidade. Uma vez alguém me disse que, com a tese da reencarnação nós deixávamos os deveres para serem cumpridos depois. Não é verdade. Porque acreditamos na reencarnação é que vivemos ativamente e procuramos fazer o máximo agora. A reencarnação funciona como uma metodologia evolutiva. Então, o Espiritismo é psicoterapêutico porque mostra a chaga do sofrimento, sua causa e a terapia libertadora. Todas as pessoas têm perguntas e o Espiritismo possui as respostas iluminativas.
O Espiritismo diz que o Brasil seria um dos principais países dos novos tempos com grandes responsablidades espirituais. Como seria isso?
Divaldo Franco: A tese é de Humberto de Campos, post-mortem, através do médium Francisco Cândido Xavier, no livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. Trata-se de uma destinação histórica para o povo brasileiro. Não se assemelha a uma nova Israel, ou a um novo povo escolhido, mas a uma civilização futura, rica de esperanças e de paz. Isto, porque o Brasil é um país que não tem karmas coletivos. Nossos dois grandes karmas são a escravidão negra e a Guerra do Paraguai. A escravidão negra foi condenada pela Princesa Isabel e era uma herança portuguesa. A Guerra do Paraguai foi uma reação à intolerância do governante paraguaio quando mandou aprisionar um navio brasileiro. Mas o nosso país resgatou essa dívida moral com o Paraguai através da Usina de Itaipu, que abriu grandes possibilidades para a pátria irmã. Então, o Brasil é um país que se destina, pelo fato de não ter grandes karmas, a ser doador de diretrizes e exemplos de dignificação humana. A nossa miscigenação produziu um povo afável, generoso, que não guarda ressentimentos, e como não temos guerras históricas, não temos ódios históricos.
Como começou sua descoberta no Espiritismo?
Divaldo Franco: Eu comecei a sentir os primeiros fenômenos mediúnicos quando estava com quatro anos e meio de idade. A partir daí os fenômenos se tornaram muito mais objetivos e mais tarde, quando completei dezessete anos, desencarnou um irmão meu e eu fui vítima de uma paralisia bem demorada, com características obsessivas. Graças a essa paralisia uma senhora espírita foi à minha casa e aplicou-me passe. Ao fazê-lo, explicou-me que eu era médium e que necessitava participar de experiências espíritas. Levantei-me na mesma hora, recuperado... Na noite imediata fui levado do Centro Espírita pela primeira vez no ano de 1944. A partir daí, comecei a estudar o Espiritismo, havendo pronunciado a minha primeira palestra em 27 de março de 1947, enquanto os fenômenos se apresentavam naturalmente, e começando a psicografar em fevereiro de 1949.
Desde o início do Espiritismo houve uma mudança na doutrina? Antes se dava mais ênfase ao karma e hoje esse ponto já não é mais tão central?
Divaldo Franco: Não houve qualquer mudança nos conteúdos da doutrina espírita, mas uma melhor interpretação dos seus fundamentos. Somos herdeiros religiosos do temor a Deus e toda essa cultura é baseada no faça ao bem que Deus o recompensará, pois que, se fizer o mal Deus o castigará. Herdamos, ao mesmo tempo, da cultura indiana a palavra karma, que não existe no Espiritismo. Usamos a palavra indevidamente, porque o karma impõe a necessidade do indivíduo reabilitar-se, sofrendo o que fez sofrer, portanto, pagando o mal que haja feito, e isso seria uma forma de vingança divina. Para nós, os espíritas, o correto é a lei de causa e efeito. Todo efeito provém de uma causa, todo efeito inteligente provém de uma causa inteligente. Quando praticamos o mal, que o indiano diria haver gerado um karma que precisa ser resgatado, o Espiritismo elucida que podemos eliminar esse mal praticado através do bem que possamos fazer, assim como através do exercício do amor, da solidariedade, do reto cumprimento dos nossos deveres. Não se trata de um karma, porém dos efeitos de uma lei que lhe preserva a causa do delito.
Como está o Espiritismo no Brasil? Durante muito tempo houve resistência. Isso mudou?
Divaldo Franco: Toda ideia nova, seja ela de que natureza for, sofre lutas e revezes.Quando a vacina, por exemplo, veio para o Brasil, no Rio de Janeiro houve quase uma revolução. Por causa da ignorância, ninguém queria deixar-se vacinar. Achava-se que se ia contaminar com a doença. Toda ideia nova, desse modo, produz um impacto muito grande, e é natural que uma filosofia como o Espiritismo encontrasse resistências científicas, religiosas e comportamentais. Dizia-se que o Espiritismo levava à loucura. É uma calúnia estúpida, porque a loucura é de todas as épocas, e o Espiritismo apareceu somente em abril de 1857. No entanto, a loucura é milenarmente ancestral. Os fatos espíritas provaram exatamente o contrário, por ser o Espiritismo uma doutrina científica, filosófica e ético-moral profundamente psicoterapêutica. Depois informaram que o Espiritismo levava as almas ao Inferno. Ora, a base moral do Espiritismo é a lei de amor ensinada e vivida por Jesus, ratificada na ação da caridade, que é a nossa bandeira. Então é ilógico porque o bem não pode fazer mal. Mas o Espiritismo firmou-se, especialmente no Brasil, e hoje são mais de doze milhões de adeptos e quarenta milhões de simpatizantes somente em nosso país, segundo estatísticas. Equivale agora considerar se existem outras reações. Os evangélicos, que estão criando doutrinas muito especiais, e colocam-se como nossos adversários doutrinários. É compreensível sua conduta de oposição, porque os espíritas não vivem da exploração das massas e aqueles que vivem assim nos consideram inimigos. Vivemos totalmente para a prática da caridade. Então, é natural que haja reações, mas do ponto de vista técnico não existe nenhuma objeção formal, como anteriormente. Primeiro, porque a mídia desmistificou, através de novelas, rádio, televisão, Internet, cinema, tudo aquilo que era tido como sobrenatural, fantasioso.O fenômeno mediúnico tornou-se natural, embora sendo paranormal. Então, não existem mais aqueles combates desnecessários de brigas fomentadas pelos religiosos. Lamentavelmente, o maior número de guerras no mundo teve causa nas religiões. É o que estamos vendo no Oriente Médio, que, no fundo, é uma guerra de etnias com caráter religioso.
Um dos argumentos dos evangélicos é que na Bíblia estaria escrito que não se deve conversar com os mortos. Como o senhor refuta esse argumento?
Divaldo Franco: O argumento é falso. Na Bíblia diz o seguinte: não se deve evocar os mortos. Moisés, diante do abuso que o povo hebreu praticava no deserto, sugeriu que não se evocassem os mortos, proibindo essa prática nefasta. Isso porque os chamados mortos nem sempre podem atender aos caprichos das criaturas humanas. No entanto, o Evangelho narra que, na transfiguração de Jesus, Moisés, que já era morto há mais de mil anos e Elias, que era morto há seiscentos anos, mais ou menos, apareceram materializados e conversaram com o Mestre. Nesse fato, constatamos que Moisés, ele próprio, veio revogar a proibição porque voltou morto que se encontrava para o memorável diálogo com o Mestre. E nós, os espíritas, não evocamos os Espíritos, eles vêm espontaneamente.
O Espiritismo seria a parte mística da religião Cristã, no caso do Catolicismo?
Divaldo Franco: Isso não tem absolutamente fundamento. Em uma análise superficial, constatamos que os paradigmas doutrinários do Espiritismo divergem frontalmente dos dogmas católicos. O Espiritismo é uma revivescência do Cristianismo, da doutrina que Jesus pregou, conforme ele mesmo a viveu. A Igreja Católica possui uma doutrina que foi elaborada por teólogos, sendo, no entanto, cristã, porque se apoia no Cristo. Assim como o Protestantismo se deriva de Lutero e hoje existem mais de duas mil denominações evangélicas só nos EUA. O Espiritismo é uma doutrina que não tem nenhuma mística nem superstição, que não adora santos, não realiza cultos, não usa incenso ou outro qualquer ingrediente, não necessita de uniforme, é destituído de hierarquia, sendo a doutrina da consciência do indivíduo mantendo contato com a Divindade sem intermediários.
Para o Espiritismo, quem foi Cristo?
Divaldo Franco: Jesus Cristo é o ser mais sublime que Deus ofereceu à criatura humana para lhe servir de modelo e guia. Jesus é o ser humano, enquanto que o Cristo é o pensamento cósmico. Jesus é o ser incomparável que todos nós amamos, mas que não é Deus. Para nós, é filho de Deus, como todos o somos.
É verdade também que o Espiritismo entende que Jesus é o médium e Cristo seria o seu guia?
Divaldo Franco: Não. Jesus é o médium de Deus. O Cristo não é um ser, é um arquétipo transcendental, não é um indivíduo personificado. Quando o apóstolo Paulo diz: é Cristo que vive em mim, ele fala do psiquismo divino que nele se encontrava.
A Nova Era diz que Cristo já voltou. O Espiritismo entende desta forma?
Divaldo Franco: Nós acreditamos que a promessa do Consolador, que está em João 14:16 foi personificada pela volta dos Espíritos a partir dessa avalanche de mensagens que constituem hoje o Espiritismo. A volta do Cristo não é o retorno de Jesus corporificado. Trata-se do seu pensamento que volta mediante as lições do bem, da solidariedade, construindo um mundo melhor. Desse modo, acredito sim, que o Cristo já voltou.
Os espíritas afirmam que a Terra está deixando de ser um planeta de provas e expiações para tornar-se um planeta de regeneração. Já existem sinais que comprovam essa transição? Quais seriam?
Divaldo Franco: Os sinais básicos são de natureza geológica e sempre existiram: tsunamis, erupções vulcânicas, terremotos, maremotos...Também sociológicos, como as guerras, o terrorismo, a violência urbana, o despautério e o desrespeito de todo porte. Os éticos e morais são a desagregação do núcleo familiar, as drogas, o alcoolismo, o sexo desarvorado, como síndromes de uma era que termina, dando lugar a uma outra que se inicia. O indivíduo enfrentará a dor de tal maneira que ficará saturado de tanta aberração e voltará a ter saudade do que era uma vida perfeitamente moldada dentro dos princípios recomendados pelo Evangelho. Buscará, então, sem fechar-se num puritanismo exacerbado, construir uma nova sociedade na base do bem e a esperança tomar conta do mundo...
Como seria essa regeneração?
Divaldo Franco: Trata-se de um processo lento. Essa regeneração se cumprirá quando os rebeldes forem exilados para planetas inferiores, como é natural. Está na Bíblia, de uma forma mitológica, figurativa, esse evento. Recordamo-nos de Lúcifer que, ao rebelar-se contra Deus foi expulso para o Hades, para fora da dimensão em que estava. Nós consideramos Lúcifer, não como uma individualidade, mas como a personificação do mal. Tudo aquilo que seja perturbador e desgastante é o mal, é lucífero. Isso ocorrerá, a fim de que os bons não fiquem sempre sob a injunção dos maus. Acreditamos que eles irão exilados para um planeta inferior, onde realizarão seu progresso e voltarão mais tarde ao mundo que era o seu berço natal.
Chico Xavier teria falado que surgiria um planeta/cometa que levaria as almas despreparadas para a evolução. Como vai se dar isso?
Divaldo Franco: De verdade a tese não é do Chico. No ano de 1956 foi publicado um livro chamado A vida no planeta Marte, ditado pelo Espírito Ramatis através do médium Hercílio Maes. O médium, graças ao seu mentor, disse que um planeta inferior passaria próximo da Terra e arrastaria essas almas infelizes. Essa proposta ainda não pôde ser confirmada. Primeiro, porque isso seria totalmente inviável, senão impossível. E depois, porque é a opinião de um Espírito apenas. Para nós, os espíritas, somente tem valor uma informação doutrinária quando ela tem caráter universal. Quando vários médiuns que não se conhecem, que se encontram em lugares diferentes registram a mesma informação. Então, Chico Xavier, que é o continuador perfeito da obra de Allan Kardec, assevera, como todos nós, que seremos transferidos, isso sim, para um planeta inferior. Não será o planeta que virá até nós. Nós é que iremos a ele.
O senhor falou que existem sinais da degradação. Existem os outros sinais também?
Divaldo Franco: Sem dúvida. Os sinais da moralização também estão evidentes. Nunca houve tanto amor na Terra como hoje. Nunca tantas vidas foram dedicadas à prática do bem como na atualidade. O avanço da ciência, da tecnologia, as conquistas morais, a abnegação... Observamos a presença das enfermidades dilaceradoras e o esforço hercúleo dos notáveis pesquisadores. Quando analisamos a AIDS, que é uma pandemia que ameaça a população terrestre, porque existem quarenta e dois milhões de infectados, portanto, soropositivos pelo vírus do HIV, encontramos também milhares de infectologistas e outros cientistas que estão correndo risco de contaminação, trabalhando para produzir uma vacina e a terapêutica mais eficiente para salvar as vidas, com mais eficiência do que hoje ocorre com o coquetel.
Como será essa nova Terra?
Divaldo Franco: Será como hoje é a Terra, porém melhorada, apresentando condições sociais melhores onde a justiça será uma realidade; sem a miséria socioeconômica, sem a devastação produzida pelas enfermidades degenerativas, sem os ódios, terrorismos e guerras. Será um mundo de paz. Não é um mundo utópico de ociosidade, mas onde os sentimentos negativos não prevalecerão.
Como está o Espiritismo no mundo neste momento?
Dialdo Franco: Muito bem, principalmente nos países da Europa o Espiritismo vem encontrando uma ressonância muito grande, desde que foi fundado o CEI (Conselho Espírita Internacional) com adesão de mais de trinta países, tanto americanos, asiáticos, como da Oceania e principalmente da Europa. O movimento espírita na América do Sul vai muito bem. Na América do Norte deslanchando, mas na Europa o salto é expressivo.
Bezerra de Menezes está sendo o novo coordenador do Espiritismo no Brasil?
Divaldo Franco: Bezerra de Menezes é uma entidade veneranda, como outras milhares existentes. O que os católicos chamam de santos, denominamos como guias espirituais. O Dr. Bezerra, pela vida que teve de alta moralidade, tornou-se um Espírito venerando e respeitado, por quem temos um apreço e carinho elevados, mas que não é o guia do movimento espírita. O movimento é coordenador por Jesus.
Chico Xavier disse que voltaria a se comunicar e daria sinais desse retorno. Isso já aconteceu?
Divaldo Franco: Surgiu a notícia de que ele teria deixado um código para poder fazer-se constatação quando viesse dar alguma comunicação, mas a informação é falsa, porque ele nunca recebeu código de ninguém para poder provar que era médium. Quanto a ele ter dado comunicações, sim, acredito que algumas que chegaram ao meu conhecimento são autênticas, através de médiuns respeitáveis.
Ele tem deixado alguma mensagem?
Divaldo Franco: Muitas mensagens. Todas elas de caráter consolador dentro da pauta da doutrina espírita.
Paulo Dantas.
Fonte: Tribuna Espírita, maio/junho 2009.
Em 9.1.2012.
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